Vítima das chuvas na região serrana do Rio ainda busca corpo do marido e espera aluguel social
Foto 1 de 18 - Amanda Coutinho segura foto do filho Pedro Gabriel e do marido Flávio Ferreira, mortos após as chuvas em Teresópolis, na tragédia da região serrana em janeiro deste ano Zulmair Rocha/UOL
"Eu sei que vou achá-lo!", exclama Amanda, que se mudou para a casa do pai desde que sua residência foi soterrada por uma avalanche de pedras e escombros. Enquanto o Ministério Público investiga denúncias de corrupção, desvios de verba e dispensa de licitações na Prefeitura de Teresópolis, a jovem revela que ainda não foi chamada pelo poder público para receber o aluguel social (R$ 500 mensais) - embora tenha se cadastrado há cinco meses.
"Eles até agora não fizeram contato. Muita gente que não precisa, que não perdeu nada na tragédia, está recebendo o aluguel social. Só na minha família, oito pessoas perderam suas casas, mas apenas uma conseguiu o benefício porque tem um amigo que trabalha na prefeitura", disse.
Amanda tinha casa própria, com quarto, sala cozinha e banheiro, deixada pela sogra há alguns anos. A residência simples, avaliada em torno de R$ 50 mil, ficava exatamente no ponto em que as três trombas d'água se juntaram e varreram tudo o que estava pela frente. A convite da reportagem do UOL Notícias, a jovem retornou ao local nesta quinta-feira (29), e explicou com detalhes tudo o que consegue lembrar da madrugada fatídica do dia 12 de janeiro.
"Eu levantei assustada por volta de 1h30. Chovia demais, algo que nunca vi na vida, e o barulho não deixava ninguém dormir. No quintal, a água já estava pela cintura... A cozinha e o banheiro ficaram alagados. Quando faltou luz, meu marido pulou a janela para socorrer o irmão, que morava em uma casa próxima, e não voltou. Foi a última vez que eu o vi. Meu filho estava dormindo. Fiquei olhando pela janela para tentar encontrar o Flávio. Nesse momento, eu lembro de um estrondo, como se fosse uma explosão. Já veio caindo tudo... Depois disso, não lembro de mais nada", relatou.
Amanda foi encontrada praticamente nua pelo pai algum tempo depois, presa entre um pé de limão e um carro que havia sido arrastado pela força da água. Perto dela, uma das portas estava inclinada, sustentando um peso incalculável de escombros e destroços. "A porta me salvou", explica a jovem. Ela teve ferimentos leves nos braços e nas pernas, e foi levada em estado de choque para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Teresópolis.
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Um dia antes da tragédia, o filho de Amanda, Pedro Gabriel, completou dois anos. A jovem mostrou para a reportagem do UOL Notícias as poucas fotos que conseguiu salvar da festa de comemoração, o que a fez lembrar de uma travessura do filho. "A primeira coisa que eu lembro quando penso no meu Pedro é dele roubando docinhos na mesa, no dia da festinha. A casa estava cheia nesse dia, até de parentes que nunca apareceram. Olhando agora, eu tenho a sensação de que aquilo era uma despedida", disse.
A própria Amanda encontrou o corpo do filho no dia seguinte ao dilúvio em um campo da estrada da Posse, que fica a cerca de um quilômetro de distância do bairro Campo Grande.
"Nós organizamos um grupo composto pelos moradores para procurar e identificar os corpos. Nessa busca, meu pai passou pelo corpo do meu filho e me chamou. Quando me aproximei, vi que realmente se tratava do Pedro. Não tenho palavras para descrever esse momento", relatou.
Durante o mutirão de buscas organizado pelos familiares e amigos das vítimas fatais, a jovem contou que algumas cenas lhe marcaram para sempre. "O único corpo que não foi arrastado pela chuva e permaneceu no bairro era o de uma senhora que estava presa pela cabeça em um vergalhão, como se fosse um espantalho", disse. No entanto, segundo ela, a mais chocante ainda estava por vir: "No último dia, encontramos dois corpos abraçados. Era o de uma mãe protegendo a filha".
Dos 29 parentes de Amanda mortos na tragédia, apenas oito corpos foram encontrados.
População traumatizada
Segundo Amanda, sempre que uma chuva mais forte cai em Teresópolis, muitos moradores traumatizados já buscam abrigo em locais seguros, ou até mesmo ligam para a Defesa Civil. "Tenho uma amiga que ainda mora no bairro Campo Grande e me liga de cinco em cinco segundos quando começa a chover. Quando há relâmpagos, ela passa mal e desmaia", disse.Das 6.000 pessoas que moravam no bairro Campo Grande, aproximadamente 20 continuam residindo no local, que permanece completamente tomado por pedras e escombros. O cenário de destruição faz com que os próprios moradores se organizem para limpar o local.
De acordo com o cronograma da prefeitura, cerca de 50 imóveis (que estão parcialmente destruídos e inabitáveis) já deveriam ter sido demolidos, mas hoje servem para as crianças brincarem de esconde-esconde. Além disso, há sucatas de automóveis retorcidos e uma quantidade incalculável de lixo cercando a comunidade. "Parece uma cidade fantasma", resume o pedreiro Antônio Batista, que voltou ao bairro Campo Grande por não ter onde morar. Ele também não recebe aluguel social.
Fraude
Amanda contou à reportagem do UOL Notícias que conhece pelo menos 30 pessoas que não perderam nada na tragédia, porém recebem o aluguel social no valor de R$ 500. Segundo ela, uma parente de sua madrasta foi beneficiada no mês passado com R$ 2.500 de aluguel social (atraso de cinco cinco meses), mas continua residindo em casa própria no bairro Santa Rita, já que o imóvel não foi afetado pelas chuvas."Enquanto isso, eu que perdi tudo tenho que morar de favor. Se eu fosse amiga de alguém que trabalha na prefeitura, a situação seria diferente", afirma.
O governo municipal já admitiu publicamente o problema. Pelo menos dois processos de cadastramento foram realizados em razão das denúncias de fraude. Há estimativas de que 300 famílias estejam recebendo o aluguel social de forma indevida.
Primo arrastado por 4km
Amanda é prima de Marcus Vinícius, 11, o menino que foi arrastado por quatro quilômetros pela força da água durante a tragédia na região serrana. Ele só foi salvo por um voluntário no dia seguinte, extremamente machucado, e ficou cerca de um mês internado. A história do garoto foi noticiada por jornais de vários países.Segundo Amanda, o menino tem até hoje uma cicatriz causada por um erro médico durante cirurgia no hospital público Adão Pereira Nunes, em Saracuruna, na Baixada Fluminense. O irmão mais velho do menino, Henrique, atualmente trabalha como pedreiro na Fazenda da Paz, justamente o local no qual o corpo de Marcus foi resgatado.
Fonte: Uol.com
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